quinta-feira, 21 de novembro de 2024
Dr. Élcio, Oftalmologista habilitado em transplantação de córneas fala sobre seu trabalho em Rio Verde
Redação Jornal Somos
Quando se trata de doação de órgãos, existem muitas dúvidas geradas pelo medo e também pela falta de conhecimento sobre o procedimento.
Esclarecendo as dúvidas e curiosidades sobre o transplante de córneas, o Dr. Élcio Nunes de Souza Jr. Oftalmologista, concedeu entrevista ao Jornal Somos.
Qual é o procedimento para receber a córnea?
Primeiramente, o cliente é cadastrado na Central de Transplante pela internet e também pode ser feito aqui no próprio consultório, com todos os dados dos pacientes. entrando em uma fila única do estado. As córneas do estado são oferecidas se sobrarem córneas são oferecidas a nível nacional pelo cadastro nacional. O paciente, uma vez que está inscrito, entrará nessa fila, conforme ela for andando, vai chegando a vez dele. A córnea é ofertada via e-mail, nós mandamos outro de volta, mas, eles confirmam por telefone, e temos até uma hora para decidir se aceitamos a córnea doada. Nesse e-mail vem todas as características da córnea, qualidade, idade, dia de preservação. Depois que fazemos o transplante é que vem os outros detalhes da córnea, como a causa da morte, qual é o nome do doador. Em uma hora eu tenho que responder se eu vou aceitar essa córnea ou se vou negar. Eu posso negar por diferentes motivos, por exemplo, por não conseguir falar com o paciente, porque eu preciso entrar em contato, para que ele possa me dizer se está bem de saúde. Se a córnea foi ofertada hoje, eu tenho que conversar com o paciente para que ele seja operado hoje, amanhã ou o quanto antes. Eu posso negar a córnea pela qualidade da córnea ser oferecida, por exemplo, se o paciente tem vinte anos e recebo uma oferta de uma córnea de oitenta anos, posso negar pela idade e não pela compatibilidade. Normalmente isso não acontece, porque a gente tem no cadastro a faixa etária definida para cada paciente, se eu tenho um paciente de vinte anos posso solicitar uma córnea com faixa etária entre dez e trinta anos. E, se para esse paciente de vinte anos não pode ser ofertada uma córnea de cinquenta anos, ela passa para outro. Mas, assim que a córnea vem para este paciente, eu tenho o prazo para aceitar. A partir do momento que eu respondo o e-mail, vem uma autorização para que eu possa retirar as córneas ou no banco de olhos, na Fundação Banco de Olhos ou no Cerof (Centro de Referência em Oftalmologia) que é o banco de olhos da Universidade. Em logística disso, temos o apoio da prefeitura, porque a maioria desses pacientes estão no SUS (Sistema Único de Saúde). Com uma autorização minha com nome, CPF, o número da córnea, o registro, tudo certinho, a ambulância que vai daqui para Goiânia e retira, utilizando a caixa térmica que fornecemos, preparada com termômetros, gelo artificial, devolvendo aqui na clínica. É assim que funciona, durante o transporte, a cirurgia já está marcada, a córnea chega e fica na geladeira, e ela poderá ser transplantada amanhã ou até hoje mesmo dependendo do horário.
Quando é que um paciente vai para a lista de transplante?
Se tratando do transplante de olhos, tem que ter a indicação. Por exemplo, tem que ter a patologia de qual é a doença que acometeu, para você poder saber qual paciente é para transplante ou não. Há uma confusão muito grande entre os próprios pacientes de que qualquer problema no olho se resolve com transplante, o que não é verdade. É comum chegar paciente que perdeu a visão com glaucoma ou um paciente com descolamento de retina, e querendo fazer um transplante para resolver o problema. O transplante resolve problemas de córnea e é isto. Se a doença não está na córnea, o transplante, nesse caso, não é indicado. É indicado para pacientes com problema de córnea, dependendo da patologia, porque existe uma série de doenças, as distrofias, a ceretopatia bolhosa, que é o mais comum é acontece após cirurgias de catarata, distrofia de fuchs, ceratocone que é mais comum em pacientes mais jovens, o trauma, enfim, existe uma série de diagnósticos que podem levar a indicação do transplante. Mas, a gente só indica após os exames.
Você já fez o inverso, uma indicação de uma pessoa para ser doador?
A indicação da doação não existe, o que existe é a vontade da pessoa de querer doar. Inclusive, há um tempo atrás, a gente colocava na carteira de identidade que era doador de órgãos, e podia-se definir retirar o órgão da pessoa ou não. Hoje, mesmo contando na carteira de identidade, mesmo constando em cartório que a pessoa é doadora, a gente não pode retirar o órgão se a família não consentir. Aquela pessoa que demonstra a vontade de ser doador de órgão, tem que demonstrar para a família, porque se alguém da família não concordar, mesmo que seja um cunhado, é complicado, precisa do consentimento.
É um procedimento muito elaborado, exige muito do pós-operatório?
Já fizemos onze pós operatórios nesse ano e, graças a Deus, nenhum com intercorrência, nenhum teve dor. Pode acontecer, mas, até então, todos ocorreram muito bem. É um pós-operatório tranquilo. É aplicada uma anestesia local no paciente quando vem para a clínica, a cirurgia leva em torno de quarenta minutos até duas horas. Depois, o paciente fica em observação por mais uma hora, se estiver tudo bem, consciente, sem queixas, ele tem alta da clínica. Ele fica com telefone da clínica para o caso de qualquer intercorrência e volta no dia seguinte. O paciente não fica internado, a cirurgia é laboratorial. O paciente opera, dorme em casa e só volta no dia seguinte. É bem tranquilo e todos ocorreram da forma que eu esperava.
E quando acontece a rejeição, entra de novo na lista?
A rejeição da córnea normalmente acontece no primeiro ano, claro que, enquanto paciente transplantado viver, ele tem o risco de ter uma rejeição, mas é menos comum antes do primeiro ano. O paciente que passa do primeiro ano, não quer dizer que ele não vá ter, mas, é mais difícil de ter uma rejeição. No caso de uma rejeição, na perda da córnea transplantada, há uma conversa com o paciente, se ele quer passar pelo processo de novo ou se ele desiste. Caso ele tenha a vontade de fazer outro transplante, tenha a força de vontade de querer voltar a enxergar, ele pode fazer o transplante novamente. Já houve caso de paciente que fez três ou quatro vezes, até conseguir dar certo.
Para uma clínica e um médico poder entrar nesse sistema e passar a fazer parte dos transplantes, é uma situação muito demorada?
Eu demorei bastante para conseguir isso porque vim de Ribeirão Preto e lá eu já trabalhava com córnea, cheguei a ser chefe do banco de olhos por um tempo, é minha especialidade. Para você conseguir, primeiramente, tem que ter a capacitação e a especialidade em córnea para poder ser habilitado a fazer transplante. O transplante exige um bom treinamento, então, tem que ter uma residência médica, ou uma pós-graduação. Você tem que estar muito treinado porque o transplante não é uma coisa simples, muitas intercorrências no intraoperatório podem ocorrer. Tem que ser bem treinado, capacitado e habilitado para depois dar entrada num processo de credenciamento do serviço. A clínica ou hospital que pretende ser uma referência para transplante ou um local que faça a cirurgia, tem que estar de acordo com as normas exigidas pela central. Existe uma vistoria, tanto de vigilância quanto da própria central de transplantes, eles tem uma comissão que vem vistoriar a clínica, se está de acordo com as normas, de funcionamento em si. A gente tem que ter laboratório para análise clínica, tem que ter um patológico, isso não precisa ser diretamente na clínica, mas, tem que existir um contrato com alguns setores, inclusive com hospitais, atendimentos de urgência, tudo isso temos que ter para poder conseguir esse tipo de serviço.
Você acredita que hoje, as pessoas têm acreditado mais no sistema de transplante?
Não sei se seria essa a resposta, mas eu acho que houve, uma descentralização do sistema, ficou mais fácil o acesso dos próprios médicos, na verdade, em oferecer os serviços. Eu tive muita dificuldade no início, estou em Rio Verde há quinze anos, sempre tentando conseguir trazer o transplante para cá porque era uma coisa que não existia. Era muito difícil o acesso a isso, eu acho que a política da central de transplantes, a política de doação de órgãos, a conscientização, é um conjunto de coisas que melhoraram esse acesso aos pacientes de transplante em geral, não só o de córnea. Acho que esse é o ponto fundamental, você investir na conscientização das pessoas, é importante porque, na minha opinião, é muito difícil a captação. A conscientização facilita também, pelo menos aqui em Rio Verde.
Você já fez onze procedimentos e fará mais um. Quantos procedimentos ocorreram ano passado?
No ano passado não fizemos nenhum, porque a liberação da clínica, os documentos, tudo isso, iniciamos em março do ano passado. Conseguimos a habilitação em agosto ou setembro e a gente conseguiu credenciamento a partir de janeiro, e, no mesmo mês foi feito o primeiro transplante.
De janeiro para cá você já percebe um aumento nas ofertas de córneas?
A oferta não vem se você não tiver o paciente inscrito, então não é que vem a oferta, primeiro você tem que ter o paciente inscrito e depois você tem a oferta. Eu acho que existe uma demanda muito reprimida aqui em Rio Verde. A gente vê que a porta a se trabalhar é na parte de conscientização das pessoas de que esse tipo de serviço aqui em Rio Verde, porque muitos ainda não sabem e procuram, mas alguns médicos ainda encaminham para Goiânia, desconhecendo que aqui existe esse serviço. Principalmente a região de Jataí, Mineiros, Quirinópolis... Também estamos cadastrados para fazer pelo SUS, Unimed, São Francisco, Iparv, Ipasgo, todos os convênios da região, particular. Estamos cadastrados para qualquer tipo de serviço, desde que o paciente procure. Eu acho que o que falta é a procura, o paciente chegar até nós, esse é o foco agora, dar visibilidade pro trabalho.
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