sábado, 27 de abril de 2024

Rio Verde

Doações de Órgãos: muito trabalho e gratidão

POR Jornal Somos | 11/09/2018

Para nos esclarecer sobre o assunto, a enfermeira e professora Rosi Ribeiro contou em exclusiva ao Jornal Somos sobre sua experiência.

Doações de Órgãos: muito trabalho e gratidão

Foto: Jornal Somos

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Há muito tempo existem dúvidas sobre as doações, e algumas vezes não nos permitimos descobrir o que é, e aumenta a curiosidade de como funciona e como é o processo. Para nos esclarecer sobre o assunto, a enfermeira e professora Rosilene Ribeiro cedeu a uma entrevista exclusiva ao JORNAL SOMOS.

 

Com dez anos de profissão, Rosilene Ribeiro atuou três anos na Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos do Hospital de Urgência da Região Sudoeste (Hurso), e ainda pode atuar como enfermeira e nucleadora fazendo a retirada de córneas. Hoje professora especialista da Faculdade de Enfermagem na Universidade de Rio Verde-Unirv tenta passar parte sua experiência aos futuros profissionais, e contou abaixo para o JORNAL SOMOS parte dela também.

 

Quais são os órgãos que eu posso doar?

Praticamente tudo, hoje não faz doação de cérebro, mas o restante, tudo. O coração, o pulmão, o intestino, o fígado, os rins, pele, osso, cartilagem, córneas... Então praticamente tudo. Só não o cérebro.

 

Como a gente julga um órgão para estar propício à doação?

A avaliação é feita a princípio por exames específicos, tem os exames que avaliam a função cardíaca, que avaliam a função hepática, que é do fígado, a função renal e os exames que avaliam o estado clinico do paciente como um todo. Agora, isso por si só não é um fator que determina se o órgão está bom ou não, pode acontecer de na hora que abrir o paciente, verificar que o estado não está apto para transplante. Então, na maioria das vezes, os exames estão condizentes com o bom estado de conservação do órgão, mas, algumas vezes isso não acontece.

 

Qual que é o tempo de vida médio para cada órgão depois de ter sido retirado?

O coração é o que tem que ser transplantado mais rápido, no máximo em quatro horas, fígado em até seis horas. Algumas literaturas apontam que o rim  tem até vinte e quatro horas, mas normalmente como o nosso estado não é um estado muito grande, e tudo acaba indo para Goiânia, a maioria das captações não excedem duzentos quilômetros, eles implantam em menos de doze horas, as córneas até quinze dias.

 

Como é escolhido para quem vai?

É feito um rastreamento, a partir de um exame que chama HLA, que é um teste de compatibilidade. Então assim, não é por que você é o primeiro da fila que você vai ser a primeira a receber o órgão. Você é a primeira da fila para a primeira pessoa mais compatível possível com você. Então, o fato de estar no topo da fila não garante que você será a primeira, precisa além de estar na frente ser compatível com o doador. E ai tem a questão do tempo, que é uma questão de logística, por exemplo, se for um pulmão ou um coração que é muito rápido, que tem que ser implantado em até quatro horas, se o doador estiver muito longe do receptor, isso torna-se impossível. As vezes, mesmo sendo compatível, acaba perdendo o órgão, infelizmente.

 

Como que funciona essa lista, como a pessoa entra?

É uma lista que fica detida, digamos assim, com a central estadual de transplante, então cada central tem a sua lista de pessoas que estão aguardando um órgão. Funciona como um sistema de regulação, a partir do momento que o médico que assiste o paciente percebe que ele tem necessidade do órgão, que o órgão é a última alternativa terapêutica para ele, o médico vai colocar ele nesse sistema de regulação, aí ele entra nessa fila de espera. E a medida que surgem doadores compatíveis ,essa fila vai andando, mas infelizmente isso ainda é muito lento, principalmente para órgãos como pulmão, coração, que demandam um tempo menor de implantação. Quanto menor o tempo de implantação ,mais longa é a fila de espera, por que, por exemplo, o paciente que precisa de pulmão só pode ser transplantado no estado de São Paulo, e se esse paciente for morador de outra região, de outro estado, ele precisa se mudar para lá para ficar aguardando, por que caso contrário não existe a menor possibilidade dele receber o órgão se ele estiver a doze horas de distância ou seis horas de distância.

 

Então o paciente já fez qualquer outro tipo de procedimento ou já está no estágio final, ou ele faz a troca ou ele não tem mais chance?

Existem muitos pacientes inclusive, que aguardam um órgão dentro de uma UTI, é muito comum, nas unidades cardiológicas, o paciente precisa do coração, é a última opção que ele tem, tem medicamentos que vão mantendo ele vivo, mas que não resolve o problema. Como ele precisa de suporte de respiradores, de monitor, de equipamentos específicos, ele se mantem dentro de uma UTI até que esse órgão chegue.

 

Hoje, Goiás virou referência de algum tipo de transplante em específico ou ainda não?o

Hoje, Goiás é o maior transplantador de córneas do Brasil, captador e transplantador, porque tudo que é captado aqui fica aqui. Rio Verde agora faz transplante de córnea também, já estamos indo para o quinto ou sexto transplante em menos de três meses.

 

 

A córnea é uma das que duram mais tempo?

Ela tem 15 dias para ser implantada, porque ela vai para o banco de olhos, eles fazem todo um processo de tratamento nela, porque a gente manda o globo ocular inteiro, e eles removem a córnea, tratam, aproveitam outras partes do globo como a escler conjuntiva. Eles fazem o tratamento e disponibilizam para quem é compatível. Tudo isso pelo SUS aqui em Rio Verde.

 

Você chegou a fazer quantas captações de córnea?

Umas três ou quatro.

 

A córnea é um dos poucos órgãos que o próprio enfermeiro pode retirar que não seja médico?

Sim, o único.

 

Quem pode e quem não pode doar, é difícil responder isso?

É muito difícil porque é muito relativo. Às vezes, uma pessoa que é extremamente saudável não tem nenhuma doença de base, mas isso não quer dizer que ela vai ser doadora. É muito relativo porque depende de muitos outros fatores, da condição clínica dela nesse momento, de se conseguir manter estabilidade na dinâmica desse paciente. Mas o que é contraindicação relativa, a gente nem fala que é absoluta, o paciente portador de HIV por exemplo, a gente não fala que é uma contraindicação absoluta porque ele pode ser doador para outra pessoa que tem HIV. É comum a gente ver isso? Não. A gente não vê isso na prática, eu acho que é muito raro isso acontecer, mas é possível. Um paciente que tem hepatite é contraindicado para doação. Se tiver um outro receptor que também tem hepatite, já não se torna contraindicação. Então é muito relativo, existem algumas literaturas que falam que a média para a doação de córnea e rim é de até oitenta anos, depois de oitenta anos já não se doa. Mas se for um paciente rígido, forte, saudável, sem nenhuma comorbidade, a gente aproveita esse rim também, então é muito relativo. É o órgão em si, é o estado clinico do paciente, as causas do óbito, as causas que levaram esse paciente a morte cefálica, porque se esse paciente morreu por um processo infeccioso grave, isso precisa ser visto com muito cuidado, para não ter resquícios de infecção digamos assim, para não levar mais prejuízos para o receptor.

 

Para o paciente virar doador só com morte encefálica?

Não. Para as córneas esse paciente pode ter morrido por PCR (parada cardiorrespiratória). Então, esse paciente, para as córneas, pele e ossos, não precisa ser morte encefálica, pode ser pós parada cardiorrespiratória. Se esse paciente que faleceu estiver refrigerado, lá nas câmaras frias, até vinte e quatro horas depois a gente pode fazer a retirada do órgão.

 

Por que existem poucos doadores?

Eu não acho que existem poucos doadores, eu acho que existem poucas instituições habilitadas a fazer a captação do órgão, e automaticamente se existem poucas instituições habilitadas existem pouca divulgação, existe pouco trabalho de conscientização. Porque assim, em um lugar onde ninguém nunca ouviu falar, nós tivemos o maior índice de aprovação do estado de Goiás. Nosso índice de consentimento era maior que setenta e cinco por cento. Então, acho que falta conscientização e mobilização da população, eu não acho que existe pouco doador, eu acho que existe pouco trabalho em prol disso.

 

É muito difícil institucionalizar uma entidade de saúde para fazer parte?

Credenciar não é fácil, tanto que a gente ficou mais de um ano nesse processo de implementação da comissão intrahospitalar de doação de órgãos e tecidos, foi mais de um ano só de treinamento, de documentação de capacitação da equipe, de elaboração de protocolo, de elaboração de instrução de trabalho, para que a gente conseguisse efetivamente começar os trabalhos. Então assim, a equipe da instituição precisa ver isso com bons olhos assim, precisa abraçar a causa, porque, principalmente no começo, é muito trabalhoso. É burocrático, porque ao contrário do que as pessoas pensam, é um processo muito criterioso, muito correto, eu acho que tudo que eu já fiz na minha vida esse é o processo mais criterioso e mais correto, mais milimetricamente cronometrado, então, não existe essa história de que vai vender o rim, vai desviar, vai dar para o parente, não tem isso. Porque é tudo muito organizado e muito criterioso, requer muito trabalho.

 

Como é participar de uma campanha dessa?

Eu não posso nem falar que choro. Foi a coisa mais linda que já fiz na vida, profissionalmente falando, do fundo do meu coração. São coisas que o dinheiro não compra, é o que eu falo sempre. Tem coisas que nenhum dinheiro no mundo é capaz de pagar, e isso é uma delas. São coisa s que talvez eu não viva uma experiência tão emocionante, em toda a minha vida, dentro do âmbito profissional. É muito emocionante, é muito gratificante, você vê coisas, você participa, você é testemunha de situações que não tem como descrever.

 

Tem uma coisa em especial que te arremete e lembra isso?

Teve um paciente, que era dependente químico, morador de rua e alcoólatra.  Ele morava na rua há muitos anos. Esse paciente deu entrada porque foi espancado e teve morte encefálica. A gente achava que, como tinha treze anos que ele morava na rua, nenhum órgão dele seria viável por conta do histórico, era muita droga, muito álcool. A mãe dele consentiu a doação, ela falou que já que o filho dela não estava ali, que ele pudesse salvar outras vidas. E esse rapaz, que eu não me lembro da idade, salvou uma moça de trinta e um anos, que estava em uma unidade cardiológica, esperando um coração, e um rapaz também de trinta anos que já estava na UTI esperando um fígado. Então assim, olha o paradigma, olha o contraste. Morador de rua, dependente químico ,teoricamente, para a maioria da população,é alguém sem valor, sem utilidade. E, foi capaz de fazer algo tão grandioso. Então, não dá para a gente julgar o ser humano, não dá para a gente estigmatizar o ser humano, não dá pra gente falar quem tem maior ou menor valor, porque no final das contas, é tudo a mesma coisa, é muito lindo isso, e a mãe dele ficou muito reconfortada.

 

 

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