sábado, 20 de abril de 2024

Rio Verde

A liberdade de ser a mulher que se quer ser

POR Ana Carolina Morais | 08/03/2022
A liberdade de ser a mulher que se quer ser

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A busca feminina pela emancipação caminha em conjunto com a história da sociedade mundial. Mesmo antes da oficialização do Dia Internacional das Mulheres, em 1975, pela Organização das Nações Unidas (ONU), as mulheres já haviam conquistado alguns direitos. A luta é diária e ainda hoje existem diversas reivindicações que devem ser consideradas. O cenário é de continuidade, mas já é possível comemorar, por exemplo, o direito de frequentar escolas e faculdades, de votar, de ser amparada por legislações, entre outros. Há, também, algumas conquistas mais subjetivas, como a possibilidade de ser quem se é e de ser quem se deseja ser – chance que vem sendo adquirida gradualmente.

 

 

Em meio a esse movimento de não se moldar às expectativas alheias e se firmar com a sua personalidade singular e seus desejos, cada vez mais é possível notar histórias de mulheres completamente diferentes umas das outras que não abdicam de serem elas mesmas e de serem suas muitas versões. Aos poucos, as mulheres estão conquistando a liberdade de escolha. Nesse dia 8 de março, o Jornal Somos conversou com mulheres que fazem valer suas crenças, seus sonhos e seus objetivos, para inspirar mais mulheres a se apoderarem de si.

 

 

Sonhos que não se perdem

 

A advogada e professora universitária Dra. Luciane Martins de Araújo, 55 anos, natural de Goiânia, sonhava em ser várias coisas quando criança, mas acabou seguindo pelo caminho dos pais, que eram advogados. Também inspirada nos pais, que sempre a aproximaram da natureza, ela direcionou sua área de atuação para o direito ambiental.

 

 

As escolhas foram certeiras, já que ela ama seu trabalho. Só que antes mesmo de percorrer sua carreira, Luciane já tinha outro amor: a maternidade. O casamento veio antes da formatura e o primeiro filho logo após a graduação. “Eu sabia que eu queria ser mãe. Então pra mim foi muito importante a maternidade. Eu tive três filhos e amei o máximo que eu pude essa fase de criação de filhos”.

 

 

É claro que viver um sonho não anula a possibilidade de seguir com os outros. “A gente pode ter desejos que vão se realizando no decorrer da vida”. Por isso, já com os filhos um pouco mais velhos e tendo mais de 30 anos, a advogada ingressou no mestrado e a partir daí, foi uma sequência de realizações, uma vez que vieram o seu doutorado e, mais recente, uma chance de atuar como professora convidada da Universidade Católica de Lyon, na França, onde está residindo e irá elaborar uma pesquisa.

 

 

Para Luciane, os sonhos não se perdem. Na verdade, eles se tornam guias. “Não tem hora para a gente correr atrás de um sonho. Seja na juventude, seja na vida adulta, na maturidade... a gente sempre tem que ter sonhos, sempre temos que ter motivos para seguir em frente”.

 

 

 

 

Priorização da maternidade

 

O que antes era taxado como uma obrigação, agora é passível de direito de escolha: entre ser ou não mãe, e até mesmo entre priorizar a maternidade ou divida-la com outras funções. Focar em maternar pode não ser uma realidade para todas, mas para as que possuem essa opção, se torna a realização de um propósito.

 

 

Para a criadora de conteúdo e dentista Fernanda Cintra, 34 anos, de Goiânia, colocar a maternidade em primeiro lugar era além de um sonho, desses que ficam só no mundo das ideias... era um objetivo! Ela sempre quis constituir família, casar, ser mãe... e mesmo antes das filhas nascerem, as gêmeas Alice e Beatriz, de 3 anos, ela já queria passar um tempo com elas sem trabalhar, e sendo assim, se organizou para isso. “Eu me preparei pra isso! Paguei INSS pra gente poder ter o auxílio maternidade e me ajudar nesse período, mas ao invés de ficar 3, 4 meses, foram 9 meses sem trabalhar. São gêmeas, então demandavam muita atenção e cuidado”.

 

 

Apesar do foco na maternidade, Fernanda não queria deixar de lado o trabalho que tanto gosta. Por isso, voltou ao ofício assim que se sentiu preparada e entendeu que as filhas conseguiriam ficar por um tempo com outra pessoa. Ela trabalhava todos os dias, mas somente meio período. “Eu sempre quis ser uma mãe presente. Nunca gostei da ideia de trabalhar o dia inteiro fora e ver minhas filhas só a noite. A minha mãe e a mãe do meu marido não trabalhavam e tinham cuidado integral aos filhos. A gente veio com essa base da mãe totalmente presente. Claro que eu não queria deixar de trabalhar, mas queria ser muito presente na vida das meninas”.

 

 

Foi a partir do seu eu “mãezona” que surgiu a oportunidade de trabalhar com algo que a deixaria ainda mais próxima das filhas. A dentista sempre adorou registrar tudo das meninas. Com isso, alguns familiares sugeriram que ela compartilhasse, na internet, a rotina e as dicas de maternidade. E assim surgiu o perfil no Instagram @gemeasdafer, que hoje conta com mais de 700 mil seguidores.

 

 

Atualmente, Fernanda não atua na odontologia devido à proporção que a criação de conteúdo ganhou. “A criação de conteúdo tomou sim o espaço principal do meu trabalho (...) Eu fui obrigada a diminuir meus períodos na clínica para dar conta de tanta produção de conteúdo na internet e eu percebi que estava trabalhando muito mais na internet do que como dentista”. As mudanças no trabalho só a aproximaram mais da sua prioridade e, com isso, vem o sentimento de realização. “Eu amo criar conteúdo pra internet, amo interagir com os seguidores (...) [e] A maternidade gemelar, na minha visão, é uma benção dobrada (...) Me sinto muito realizada”.

 

 

 

 

Foco no trabalho

 

Ao mesmo tempo em que há como se optar pela priorização da maternidade, também existe a possibilidade de escolher por inserir o trabalho como o foco principal. É o caso da Giovana Gera, publicitária de 27 anos, natural de Rio Verde. Quando criança, ela não idealizava uma profissão específica, “mas já sabia que não queria depender de ninguém para conquistar o que eu queria (...) minha vida profissional sempre ficou na frente de todas as outras áreas da minha vida”.

 

 

Determinada, Giovana trabalha desde os 16 anos e acabou fazendo um caminho inverso, ou menos usual, no sem campo profissional. Quando ela entrou em seu segundo emprego da vida, na Rádio Líder, ela era telefonista. Foi crescendo dentro da empresa, iniciou na programação musical, em alguns trabalhos de marketing e, graças à um programa criado pela rádio que pagava a faculdade, conseguiu se formar em publicidade e propaganda.

 

 

Atualmente, ela é gerente da agência de publicidade Maxi, em Goiânia. Para isso, precisou enfrentar o medo de ir para a capital, sozinha. “Sair de Rio Verde pra uma cidade maior deu muita insegurança. Não conhecer nada da cidade, ficar longe da família, foram algumas dessas inseguranças. Desafios sempre existirão, mas foi muito melhor do que eu imaginava. Melhor decisão que já tomei”.

 

 

Morar sozinha na capital foi apenas um dos desafios. Como Giovana exerce um cargo de liderança, e é mulher, costumeiramente ela enfrenta outros obstáculos relacionados ao machismo. “Vivemos em uma sociedade muito machista, e isso reflete diretamente, prestadores de serviço, colegas de trabalho, clientes, muitos deles não te dão o devido crédito, mas assim como tudo na vida, precisamos mostrar que estamos lá porque merecemos e a coragem de exigir o devido respeito vem com o tempo e aos poucos as coisas vão mudando e essas pessoas passam a ter que te respeitar de um jeito ou de outro”.

 

 

O sucesso no trabalho também vem acompanhado de alguns comentários costumeiros, mas desnecessários, sobre casamento e filhos. “Mesmo conquistando várias coisas, as pessoas ainda perguntam: ‘mas e o marido? Você já tem quase 30 anos’. Mas isso não me afeta, desde pequena tenho a certeza que não quero filhos, muita gente dizia ‘isso vai passar, uma hora você vai querer’. Essa vontade ainda não chegou e acredito que não vai chegar. Quanto a casar, não está nos meus planos também, mas isso só o futuro dirá”.

 

 

Para as outras mulheres, Giovana deseja, acima de tudo, que elas escolham o que verdadeiramente querem e mantenham sua decisão acima das expectativas alheias. “Eu acho que independente da escolha, faça o que você tem vontade. Quer ser dona de casa? Ótimo. Quer deixar a família em segundo plano e conquistar seu espaço no mercado de trabalho? Ótimo também. Não leve as críticas em consideração, afinal, quem vai viver as consequências dessas escolhas é você.

 

 

 

 

Nadando contra a maré

 

A mulher que é o que quer ser, certamente, vai atrás, vive seus sonhos e, por vezes, nada contra a maré. A Jéssica Bastos, 24 anos, de Rio Verde, vive um sonho que é tão comum na infância que muitos encaram como fantasia: ela é musicista. “Sempre tive a vontade de ir pra música. A minha mãe, minha vó, são pianistas (...) Então, eu tinha esse sonho de cantar, mas ao mesmo tempo eu tentava imaginar outras possibilidades, porque a gente é meio tolido quando fala que vai para esse campo da arte”.

 

 

De nome artístico Sabiá, antes de se entregar para a música, ela cursou Engenharia Civil por um ano até perceber que, na verdade, era da área de humanas, e começar a se interessar por Ciências Sociais, seu atual curso de graduação. Em meio à essas decisões por qual área seguir, ela chegou a ser artista de rua dos 18 aos 20 anos. “Foi muito importante para a minha caminhada porque me deu muita vivência, me trouxe a visão da realidade, consciência de classe, trouxe muita arte, perspectiva humana e me deu muita coragem para viver depois coisas que queria viver (...) É uma experiência incomum, mas ao mesmo tempo cada um tem uma realidade e uma vivência, e eu entendo, hoje, que para aquele momento foi a solução que eu achei, por mais que ela seja um tanto quanto perigosa e inconsequente, mas eu não me arrependo”.

 

 

Quando ela decidiu por fazer o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), ela conseguiu ser aprovada para Ciências Sociais, mas apenas em lugares distantes de sua cidade natal.  Foi assim que Sabiá se mudou para Cuiabá e, em meio a graduação, se entendeu artista. “Foi um processo que se firmou realmente quando mudei pra Cuiabá, porque fazendo Ciências Sociais eu me inseri em sarais, em festivais, em ambientes artísticos que me legitimavam e me nomeavam artista”.

 

 

Viver de música é difícil por si só, mas quando se é mulher, podem haver mais obstáculos. “Eu toco sozinha e já vi que isso incomoda. As vezes um homem estava me acompanhando, vinha uma pessoa e elogiava o homem e não me elogiava (...) Incomoda muito a mulher ativa, consciente e convicta do ofício dela”. Sabiá enfrenta as batalhas de ser mulher, ser artista, e também de ser LGBTQIA+. Se orgulha de todas suas lutas, pois sabe que se firmar como quem se é, é algo importante para outras mulheres. “Acredito que me firmando como mulher lésbica no mundo eu consigo dar força para outras mulheres que estão no mesmo lugar e mostrar que não existe nada demais, que isso é uma intimidade nossa, não deve ser levado em consideração, porque o que a gente é, dentro da gente, é muito maior”.

 

 

Todas essas bandeiras dão a sensação de ir em sentido oposto, o que ela considera, na verdade, algo ótimo. “Eu sinto que eu nado contra a maré, sim, mas acho isso muito bom porque vou procurando pessoas que também nadam contra essa maré. Eu entendi que encontrando semelhantes e convivendo com semelhantes, a gente consegue mais força na nossa resistência”. E ser resistência é, na essência acreditar em algo. Por isso, Sabiá aconselha às mulheres a acreditarem nelas mesmas. “Se a gente não acredita nos nossos sonhos eles nunca vão se tornar possíveis. Algo que parece muito distante, se a gente der passos, podemos chegar lá, mesmo que devagarinho. Sonhar é uma das melhores coisas que podemos fazer por nós mesmas. Quando a gente sonha com algo para nós, isso faz com que a gente se movimente”.

 

 

 

 

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