quarta-feira, 24 de abril de 2024

Rio Verde

Será que a cura do HIV está próxima?

POR Jornal Somos | 15/03/2019
Será que a cura do HIV está próxima?

Arquivo pessoal

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Pela segunda vez na história, uma pessoa infectada conseguiu se livrar do HIV – a primeira foi há 12 anos e há expectativas de que haja ainda uma terceira. O caso foi anunciado esta semana em uma das revistas científicas mais conceituadas do mundo e em um congresso nos Estados Unidos. O que acontece é que um paciente de Londres, além do HIV, tinha um câncer de sangue que foi tratado com um transplante de medula óssea. E 18 meses depois do procedimento, os exames não identificaram mais o HIV.

 

As expectativas são as melhores, mas os cientistas pretendem esperar pelo menos 3 anos do desaparecimento da doença para classificar o caso como cura, pois existe a possibilidade do vírus estar apenas adormecido. Mas para entender melhor todo esse processo convidamos o médico infectologista Hilton Luis Alves Filho em exclusiva ao Jornal Somos para debater o assunto.

 

Quando perguntado sobre os tratamentos que existem para a cura do paciente portador do vírus de HIV, Dr. Hilton explica:

“O primeiro caso de cura do HIV veio a público em 2008 em um congresso em Londres, em 2009 foi publicado no New England Journal of Medicine, que Timothy Ray Brown o “paciente de Berlim”, após 20 meses sem tomar os anti-retrovirais (medicações que combatem o HIV), não apresentava mais sinais de HIV em seu corpo. A cura foi alcançada após transplante de medula óssea para tratamento de uma leucemia, cujo doador apresentava uma mutação que impede a infecção pelo HIV, transmitida assim a Brown pelo transplante de medula óssea. Dez anos depois temos mais um paciente curado do HIV, o recém noticiado “paciente de Londres”, ainda em 18 meses de seguimento sem o HIV, porém com resultados comparáveis ao caso de Timothy”.

 

Segundo ele, a ciência e os médicos demoram até décadas para reproduzir resultados e considerou que a cura é um caminho inovador e original. “Pergunta-se assim porque os médicos e a ciência demoraram mais de uma década para reproduzir os resultados, de fato é um evento raro, além de que foram tentadas outras diversas vezes sem sucesso. Diversas pesquisas buscam a cura da infecção pelo HIV em várias frentes ainda sem um consenso sobre o melhor caminho, dentre elas estratégias múltiplas com vacinas de células dendríticas, sais de ouro e nicotinamida por exemplo até transplante de células hematopoiéticas (presentes na medula óssea), como nos casos dos pacientes de Berlim e Londres. Consideramos que o caminho da cura deve levar em conta o tratamento altamente eficaz disponível com cada vez menos efeitos colaterais e facilidade de ser tomada, mostrando um caminho inovador e original. O importante de tudo isso é provar que o conceito de cura do HIV é possível e precisamos agora compreender como deu certo, agora em dois pacientes”.

 

Sobre os dois procedimentos de cura, Dr. Hilton esclarece:  “Não há previsão para que a infecção pelo HIV seja curada com transplante de medula óssea ou outra estratégia ou até mesmo a combinação delas. Primeiramente pelo caráter estritamente experimental dessas abordagens. Todo estudo cientifico obedece uma escala de aplicabilidade populacional, baseada em resultados preliminares in vitro e in vivo, risco-benefício e normas éticas e profissionais para disponibilização em escala populacional como um tratamento aplicável e sobretudo replicável, o que pode levar muitos anos ainda. Na avaliação da comunidade cientifica como um todo um segundo caso de cura do HIV com transplante de células hematopoiéticas ajudará mais a desvendar as características que fizeram que a cura se efetivasse, indicando que este seja um caminho a seguir, porém sem descartar outros”.

 

Se o paciente fizer todo o tratamento antirretroviral de alta potência, que é um dos tratamentos disponíveis, de forma correta alcançará uma vida sem evoluir a doença, explicou o Médico. “O que se tem disponível hoje é tratamento antirretroviral de alta potência, que se tomado de forma correta e regular, é  capaz de deixar o vírus indetectável no sangue, permitindo que o paciente soropositivo mantenha uma vida normal sem evoluir para a Aids (doença) e não transmitindo o mesmo por via sexual, conceito descrito e reconhecido internacionalmente como indetectável = instransmissível (i=i), o que dá às pessoas vivendo com HIV consciência de que elas não transmitem mais o vírus sexualmente, fortalecendo o senso de agentes de prevenção perante a novos realcionamentos novos e já existentes, incentivando a adesão ao tratamento e minimizando o estigma ainda tão presente na sociedade”.

 

O Dr. Hilton comenta os números recentes mundiais de pesquisas quanto as principais doenças e seu perfil de pacientes.

“Dados do “Boletim Epidemiológico HIV/Aids”, do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde (DIAHV/SVS/MS): No Brasil, em 2017, foram diagnosticados 42.420 novos casos de HIV e 37.791 casos de aids – notificados no Sinan, declarados no SIM e registrados no Siscel/Siclom, com uma taxa de detecção de 18,3/100.000 habitantes (2017), totalizando, no período de 1980 a junho de 2018, 982.129 casos de aids detectados no país. Desde o ano de 2012, observa-se uma diminuição na taxa de detecção de aids no Brasil, que passou de 21,7/100.000 habitantes (2012) para 18,3/100.000 habitantes em 2017, configurando um decréscimo de 15,7%; essa redução na taxa de detecção tem sido mais acentuada desde a recomendação do “tratamento para todos”, implementada em dezembro de 2013. Como a notificação da infecção pelo HIV ainda está sendo absorvida pela rede de vigilância em saúde, não são calculadas as taxas referentes a esses dados.”

 

No Brasil, no período de 2000 até junho de 2018, foram notificadas 116.292 gestantes infectadas com HIV, das quais 7.882 no ano de 2017, com uma taxa de detecção de 2,8/1.000 nascidos vivos. Também em 2017, foram registrados no SIM um total de 11.463 óbitos por causa básica aids (CID10: B20 a B24), com uma taxa de mortalidade padronizada de 4,8/100.000 habitantes. A taxa de mortalidade padronizada sofreu decréscimo de 15,8% entre 2014 e 2017 – o que de acordo com o Dr Hilton, também, possivelmente, em consequência da recomendação do “tratamento para todos” e da ampliação do diagnóstico precoce da infecção pelo HIV através da testagem rápida.

 

Ele ainda acrescenta que o HIV cresce mais entre os mais jovens. “Observou-se que a maioria dos casos de infecção pelo HIV encontra-se na faixa de 20 a 34 anos, com percentual de 52,6% dos casos, sendo que entre os homens 59,4% dos casos foram decorrentes de exposição homossexual ou bissexual. Entre as mulheres, nessa mesma faixa etária, nota-se que 96,8% dos casos se inserem na categoria de exposição heterossexual. Com relação à raça/cor da pele autodeclarada, 50,9% dos casos ocorreram entre homens negros e 57,1% entre mulheres negras. Em resumo, apesar da queda do número de pacientes diagnosticados com Aids, ou seja, com doença, a epidemia de infecção pelo HIV cresce entre os mais jovens, principalmente em homens que fazem sexo com homens, de cor pele preta e parda”.

 

Ele observou que os principais transmissores e portadores do HIV são do grupo masculino e explica que se enquadram principalmente os homossexuais. “Como visto nos dados oficiais do Brasil, reflexo do restante do mundo, a epidemia se concentra desproporcionalmente entre homens gays, travestis e mulheres trans, que sofrem também questões como moralismo, julgamento, culpabilização, sorofobia e homo/transfobia, ou mesmo problemas mais complexos e intersetoriais como a desigualdade social, que aprofundam a vulnerabilidade dessas populações ao HIV, AIDS e demais infecções sexualmente transmissíveis (IST)”.

 

Segundo ele, a indicação da camisinha não será capaz de conter a transmissão das IST. “Assumir que a centralização da prevenção do HIV na camisinha é algo obsoleto e não mais indicado. Está claro cientificamente no campo da prevenção que a recomendação da camisinha como estratégia isolada de prevenção nunca foi nem nunca será capaz de conter a epidemia de qualquer IST. Isso porque apenas uma parte da população mundial consegue usá-la de maneira correta e constante. Por outro lado, procurar compreender os aspectos multifatoriais que determinam a vulnerabilidade de cada indivíduo ao HIV e ofertar possibilidades diversas e combinadas de prevenção eficazes, adaptando a cada contexto de atividades sexuais e riscos é o que demonstra ter efeito no mundo no controle dessa epidemia. A timidez de políticas públicas na adoção de estratégias de educação básica e prevenção combinadas centradas nessa população chave ainda demonstra uma importante questão a ser superada para o adequado enfrentamento dessa epidemia no Brasil”.

 

O infectologista afirma que mesmo com tanto conhecimento e facilidade na comunicação nem sempre ajuda a tingir quem realmente precisa. “O conhecimento não é estático e muitas vezes a informação não é democrática a ponto de atingir quem realmente precisa e está vivendo um momento vulnerável.  Por isso a insistência em adoção de políticas públicas de alta visibilidade com apelo adequado, baseadas na prevenção combinada e redução dos fatores discriminatórios de raça, orientação sexual ou qualquer tipo de estigma e discriminação”.

 

“Essa abordagem de prevenção combinada prevê a disponibilização não só de camisinha, mas também testagem seriadas para HIV/ISTs, das profilaxias pré e pós exposição ao HIV (PrEP e PEP), terapia antirretroviral para todos e da informação indetectável igual intransmissível, enquanto estiver sob tratamento adequado, assim as possibilidades de sexo seguro se multiplicam e vão muito além do sexo com camisinha. Se cada indivíduo tiver autonomia para escolher usar aquilo cabe em sua vida, vai certamente aderir de forma muito mais consistente às estratégias de prevenção, chegando mais perto ao controle da epidemia de HIV” afirmou. 

 

Mais uma vez, o médico infectologista alerta sobre as ações estratégicas. “O engajamento político e comunitário é um dos maiores motores na transformação dessa realidade, pois são os jovens - que não conheceram a AIDS ao vivo pelo jornal, rádio ou TV – que estão engrossando as cifras de novos casos de infecção pelo HIV. É nosso dever como comunidade exercer o controle social do SUS ao cobrar/fiscalizar os agentes públicos na implantação de ações estratégicas como a prevenção combinada ao HIV/ISTs em nosso estado e município e principalmente se envolver com a causa no combate ao estigma associado ao HIV, reforçando que as pessoas são todas iguais, não importando o resultado de suas sorologias”. Acrescentou.

 

O Dr. Hilton Luis Alves Filho é graduado em Medicina pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS em 2012, fez residência médica em Infectologia pelo Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian – HUMAP/ UFMS em 2016, MBA em Gestão Hospitalar e Controle de Infecções Hospitalares pela INESP/SP.

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